Flor

(para F.)




Sinto-me como devem sentir-se as flores
 
desdobradas em deus quando se abrem ao sol,
 
porque as flores não sentem, dizem, mas deus
 
quando existe em forma de flor deve sentir
 
de um modo abstracto que é sempre como sentimos
 
tudo o que sentimos e por dentro nos varre.


 
Nesta maravilhosa expansão do corpo à luz,
 
quando o corpo se abre nas mínimas velocidades
 
que o fazem desfolhar-se em planos como pétalas
 
e vagas e ondas e correntes como pólens
 
qualquer coisa em nós se faz flor quando passa
 
para esse ponto das sensações cristalinas
 
como poeiras de emissões anónimas,
 
sem começo nem fim.


 
Talvez deus seja um nómada voando a cavalo sobre as estepes
 
e o vento que arde nos planaltos dobrando as hastes das flores-
 
uma força imprevista que soergue o cosmos e nos atravessa.
 
Talvez deus seja como a explosão da luz nas estrelas
 
e a velocidade particular das sensações que voam
 
como linhas feiticeiras que traçam curvas em desertos.


 
Porque se a flor é varrida de um extremo ao outro por água e luz,
 
nós quando estamos imóveis como as flores
 
em acontecimentos mínimos também somos varridos.
 
Vislumbres precários das coisas que não sabemos
 
e que estão condenadas à rarefacção e à miséria -
 
assim são as sensações e os poemas, como o pó,
 
coisas que ardem porventura nas sensações abstractas de deus
 
de um modo obscuro para nós mas translúcido em si mesmo.


 
Não há dúvida: para a flor que floresce
 
contrair em si água e luz deve ser tão bom
 
como para nós atingir os breves cumes de prazer
 
que o corpo amoroso persegue em plano suspenso e veloz
 
e, mesmo que a flor não sinta, como dizem,
 
o mais certo é que esse corpo amoroso, como as flores,
 
passe a existir fixamente e de um modo sensível
 
no florescimento abstracto de todas as flores em deus:
 
uma coisa paradoxal - eterna e fugaz.